Crise alimentar é nova ameaça à Amazônia, dizem especialistas

No Estadão

RIO DE JANEIRO - Enormes extensões ociosas do território brasileiro poderiam ser parte da solução para a crise alimentar mundial, mas há o risco de que o atual aumento nos preços alimentícios estimule a devastação da Amazônia.

Especialistas dizem que o desmatamento da selva acompanha de perto os movimentos do mercado global de alimentos, já que os produtores da fronteira agrícola brasileira reagem à perspectiva de maiores lucros derrubando e queimando matas para abrir novos espaços para plantações e pastos.

"Na beira da fronteira agrícola isso é muito dinâmico, e por isso você vê estatísticas de desmatamento que variam tanto de um ano para o outro", disse Roberto Cavalcanti, da ONG Conservação Internacional.

"Uma pequena mudança nos preços dos alimentos pode ter um grande impacto sobre se é economicamente vantajoso ou não avançar sobre a floresta", acrescentou.

O governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, sugeriu na semana passada que a ocupação da Amazônia poderia ser uma solução contra o aumento nos preços de gêneros essenciais, como o arroz, o que ameaça levar a fome para milhões de pessoas no mundo.

"A declaração do governador vem em um momento em que a Amazônia se encontra sob fogo cerrado. Depois do anúncio do aumento nas taxas de destruição florestal, da apresentação de um projeto na Câmara dos Deputados que amplia o desmatamento em áreas privadas da Amazônia e de uma medida provisória que anistia grileiros, o agronegócio brasileiro vem querer aproveitar a crise mundial de alimentos, de maneira oportunista, como justificativa para o ataque à floresta", disse Paulo Adário, coordenador da campanha da Amazônia do Greenpeace, em nota.

O Brasil é um importante exportador de alimentos como soja e carne, um setor que vem crescendo devido à forte demanda na Europa e na China.

A fronteira agrícola avança pela Amazônia, mas especialistas dizem que há 50 milhões de hectares de áreas degradadas que poderiam ser reutilizadas, de modo a ampliar a produção sem destruir mais a floresta.

"Estamos tentando que os produtores tenham acesso a novas tecnologias para que não tenham de avançar sobre novas áreas", disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comentando na semana passada as declarações de Maggi.

Mas a falta de políticas públicas e fiscalização faz com que a economia ainda atue contra a floresta, que perdeu um quinto da sua extensão -- uma França inteira -- desde a década de 1970.

"Ninguém [no governo] diz como recuperar essa área, porque na bacia Amazônica é mais fácil e barato cortar árvores do que recuperar o solo degradado", disse Paulo Moutinho, do Ipam (Instituto de Pesquisas da Amazônia, com sede em Brasília).

O desmatamento bateu um recorde em 2004, quando o preço das commodities agrícolas estava baixo e o real estava desvalorizado, o que estimulava as exportações.

Entre agosto e dezembro de 2007, cerca de 7.000 quilômetros quadrados da floresta foram derrubados, o que coincidiu com o aumento dos preços agrícolas. Após três anos de declínio, o índice de desmatamento em 2007 fechou em alta.

Em resposta, o governo lançou a operação "Arco de Fogo", a maior já realizada contra a extração ilegal de madeira, o que levou a imponentes operações em fevereiro no Pará.

Centenas de policiais e agentes ambientais do Pará, Mato Grosso e Rondônia estão impondo multas, fazendo prisões e confiscando toras, mas a vastidão do território torna difícil conter a atividade ilegal.

Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra, disse que um estudo preliminar mostrou que menos de 1 por cento das multas impostas durante a operação foram pagas.

Dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que no primeiro trimestre mais 1.500 quilômetros quadrados de floresta sumiram, uma cifra elevada, levando em conta que era a estação úmida.

"Se não houver fiscalização, a correlação entre o preço das commodities e o desmatamento será alta. Se houver fiscalização, veremos essa correlação em relação ao aumento da produtividade", disse o cientista Carlos Nobre, do Inpe.