O PNDH, o aborto, o direito de propriedade, os torturadores e a censura.

Em o jornal O Liberal de hoje, o editorial e o articulista Benedito Wilson Sá discutem o Programa Nacional dos Direitos Humanos. Sá condena praticamente todo o conteúdo do PNDH, acusando-o de autoritário, anti-humano, revanchista contra a Ditadura e cassador da liberdade de imprensa, o editorial de O Liberal defende os direitos humanos dos proprietários.
Por certo não dá para debater em profundidade estes temas no Blog, que não venha torná-lo enfadonho e cansativo, mas mesmo assim gostaria de pontuar, brevemente meus pontos de vista sobre esta importante temática:

1-O PNDH e a descriminação do aborto: Em nome do conceito de vida e dos valores católicos Wilson Sá faz veemente condenação a esta lei, presente no interior do PNDH. Creio que ninguém em sã consciência tem na defesa do aborto uma causa digna de defesa. Acontece que mais de 300 mil brasileiras pobres morrem anualmente em conseqüência de aborto mal feito. As classes A e B fazem esta prática em clínicas clandestinas aparelhadas e correm pouquíssimos riscos, enquanto as pobres morrem como num açougue, em mãos de leigos, sendo a agulha de tricô e abortivos os instrumentos mais presentes neste ginecídio.
Ora quando se fala em descriminação do aborto, não está se defendendo sua prática, está, isso sim, permitindo que deixe de ser um crime e que o SUS possa ser aparelhado para vir a socorrer as mulheres pobres, em síntese, transformar o aborto em problema de saúde pública. Em contraposição, o Estado deve aprofundar políticas públicas para prevenir a gravidez indesejada. Por certo com o tempo, esta prática diminuirá no Brasil, num contexto do fim da hipocrisia moral, com debate aberto com as famílias e a juventude. Até na Itália, que acolhe o micro estado do Vaticano o aborto já foi descriminado.

2- O PNDH e o direito de propriedade.
O editorial de O Liberal critica o PNDH pela exigência de audiência pública entre as partes antes da reintegração de posse. Na opinião deste jornal, as audiências respeitariam mais os Direitos Humanos dos Invasores do que o Direito Humano dos produtores rurais. Este é o argumento central do editor e romperia com princípio basilar do direito de propriedade.
O PNDH é uma produção da sociedade brasileira produzido em conferência nacional, não é uma iniciativa de governo, e pretende ser uma política de Estado. No cerne desta questão está os 13 milhões de brasileiros deserdados historicamente que vivem a vagar, como fantasmas pelo interior do Brasil, que são os brancos, livres e pobres, cunhado pela historiografia como a “ralé dos 400 anos”.

Ora, creio que a proposta de audiência prévia entre as partes, é um mecanismo para evitar invasões continuadas e repetitivas de uma mesma propriedade. Pois numa audiência pública todos teriam direito à palavra: o fazendeiro, seus proletários, a sociedade civil do entorno e os ocupantes ou sem terra. Uma sentença judicial fundada em uma audiência pública, por si só já vem eivada de legitimidade e por certo tirará qualquer discurso em torno da legitimidade da parte que resolver partir para o confronto físico após a sentença ser prolatada.
Não tenhamos dúvida, o caminho para a construção da paz nos campos brasileiros será longa, e mais ou menos dolorosa, dependendo de iniciativas como esta, presente no PNDH. Será através de desapropriações progressivas que se fará a redistribuição de terras no Brasil e na Amazônia, que é marcada pela grilagem e pelo latifúndio. Qualquer defesa do dogma do direito à propriedade não passará de discriminação contra a “ralé dos 400 anos”. A própria constituição garante o predomínio da função social da propriedade em detrimento da individual. Por certo existe uma cambada de oportunista neste processo, mas não passam de uma ínfima minoria.
Ou a “ralé” fica no campo, onde pode se instalar, produzir e criar sua família, ou estará a assombrar as grandes cidades, fundando diuturnamente novas favelas e servindo de cultura pra o recrutamento pelo banditismo e pelo narcotráfico.

3- O PNDH e o revanchismo contra a Ditadura.
Wilson Sá também acusa o PNDH de praticar revanchismo contra os autores maiores da Ditadura militar brasileira de 1964. Wilson Sá crê que os acordos que os liberais da redemocratização fizeram, via Lei da Anistia de 1979, apaziguou o Brasil e não pode ser mais “remexida”.
No acordo de final da Ditadura, os militares ainda eram a força política e administrativa do governo central e igualaram conceitualmente os torturadores com os guerrilheiros como se estes fossem a mesma coisa que terroristas. Os liberais condutores da redemocratização, pela via da conciliação, não tinham, naquele momento outro caminho a seguir, e aceitaram aquele acordo.
Ora, os estudiosos da teoria do Estado sabem que foi John Locke, o principal teórico do liberalismo inglês que afirmou peremptoriamente em sua obra seminal, o Segundo tratado sobre o Governo Civil: a sociedade na luta contra os usurpadores do poder política tem o direito legítimo e deve recorrer às armas contra os golpistas. Foi o que ocorreu no Brasil após a imposição do AI 5 em 1968, onde ficou impossível fazer a oposição pacífica aos governos militares de Costa e Silva, Médice e Geisel, dando origem às guerrilhas urbanas e rural.
Uma luta guerrilheira é considera uma guerra justa, porque as partes em conflitos sabem que estão em guerra e normalmente se trava um combate entre exércitos militar e civil. A luta guerrilheira em nada se parece com o terrorismo que tem suas baterias voltadas indiscriminadamente e de forma planejada para alvos militares e civis, é portanto covarde, porque faz chantagem com os governos matando civis inocentes.
Diferentemente dos torturadores, que são verdadeiros animais, que massacram através do castigo físico, prisioneiros à disposição do Estado, sem nenhuma possibilidade de autodefesa. A prática da tortura deve ser considerada um crime inafiançável, hediondo e imprescritível e que a sociedade brasileira, a exemplo da sociedade argentina, deveria tirar a limpo, para que nunca mais se repeta no Brasil. O acordo de 1979 (anistia) deveria ser superado e os torturadores e comandantes, mesmos mortos, deveriam ser execrados pela sociedade brasileira, para todo o sempre.

4- O PNDH e a censura à imprensa .
Creio que neste ponto o PNDH é indefensável, aqui não dá para controlar a produção editorial e fazer um julgamento sumário do que agride ou não os Direitos Humanos, através de um órgão, qualquer que seja ele. Creio que neste caso, aqueles órgãos de imprensa, por exemplo, que vivem a ganhar audiência expondo cadáveres à mídia ou promovendo o discurso da barbárie no combate ao crime deveriam sofrer um acompanhamento de organismo auto-regulares, como ocorre com a prática médica, por exemplo, e estando todos à disposição do enquadramento criminal presente nas leis do país que trata deste assunto.

Por outro lado os movimentos dos Direitos Humanos e os governos, a exemplo do que acontece no combate ao vício do fumo ou das drogas, deveriam fazer uma campanha, perante à sociedade, contra àquelas práticas jornalísticas que ganham audiência às custas da construção de uma cultura da barbárie e anti-humana.Portanto o tema do controle às práticas anti-humanas, presentes no cotidiano da imprensa estadual e nacional, deveria sair do PNDH, devido aos riscos que representaria para a liberdade de expressão no contexto de governos futuros que não sejam afeitos aos valores do Estado democrático de Direito.