Norte e Nordeste tiveram queda no número de trabalhadores resgatados no ano; Sul também registrou aumento
O número de pessoas flagradas no campo trabalhando em condições análogas à escravidão cresceu nas regiões Sudeste e Sul, as mais ricas e desenvolvidas do País, contrariando uma tendência nacional de queda. De janeiro a setembro deste ano, foram resgatadas 743 vítimas em propriedades localizadas no Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. A quantia é quase 40% maior se comparada ao total de libertados na região nos anos de 2008 (536) e 2007 (557). Os dados são do Ministério do Trabalho e Emprego.O crescimento coloca o Sudeste em uma condição inédita de liderança em relação as demais regiões do País. Estados do Norte e Nordeste, onde historicamente os registros são superiores, tiveram queda. No País 2.568 pessoas foram libertadas entre janeiro e setembro, em 101 operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, da Secretaria de Inspeção do Trabalho. Em igual período do ano passado foram 3.669 libertados, em 107 ações.O artigo 149 do Código Penal é claro ao definir como condições de trabalho análogas à escravidão aquelas em que a vítima for submetida a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, seja sujeitando-a a condições degradantes, seja restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador."O Norte e o Nordeste sempre lideraram os casos de resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão, mas não se pode afirmar que o problema seja uma exclusividade dessas regiões. Os dados mostram que no Sul e no Sudeste o problema também existe. Nessas regiões há uma cultura de se negar que a escravidão contemporânea exista", afirma Sebastião Vieira Caixeta, coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho.Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade que mais encaminha denúncias para as equipes de fiscalização, os números de libertados no Sudeste e no Sul do País mostram que o desenvolvimento econômico não acaba com a exploração da mão de obra escrava. "Observamos que onde o agronegócio vai de vento em popa o trabalho escravo avança", diz Xavier Plassat, coordenador da entidade.No caso da região Sudeste, o aumento do número de libertados decorre da descoberta de 361 pessoas exploradas em plantações de cana-de-açúcar no Rio de Janeiro e de 284 em Minas Gerais. Em São Paulo, onde as ocorrências crescem nas plantações de laranja, foi realizada apenas uma operação com o resgate de 17 vítimas. "O trabalho escravo não é um problema só das regiões pobres", afirma Luiz Antonio Machado, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo ele, apesar dos casos registrados, o Brasil é considerado "um exemplo no combate a esse tipo de exploração".DÍVIDAA forma mais usual no Brasil é a escravidão por dívida. Nela, o agricultor é recrutado para trabalhar numa plantação distante de sua área de origem durante a época da colheita. O recrutador oferece um adiantamento em dinheiro e o agricultor concorda em pagar sua dívida trabalhando. Já na lavoura, o trabalhador tem de comprar comida e outros bens no armazém da fazenda, todos com preços inflacionados. Ele endivida-se cada vez mais, e um círculo vicioso de escravidão começa.O governo brasileiro só em 1995 reconheceu o problema e passou a combater esse tipo de exploração com a criação dos Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo. Os grupos (atualmente há 9 no País) são compostos por auditores fiscais do Ministério do Trabalho, procuradores, delegados e agentes da Polícia Federal. Desde então, 35 mil pessoas foram localizadas no campo em condições análogas à escravidão.PLANOS E AÇÕESFoi a partir de 2003, porém, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva redigiu o primeiro Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, que a atuação no campo evolui, segundo as entidades. Para se ter uma noção, um ano antes do plano foram resgatados 2.285 pessoas. No ano seguinte, esse número saltou para 5.233 - número que só perde para o registrado em 2007 quando 5.999 trabalhadores escravos foram localizados.Em setembro do ano passado o governo lançou um novo plano. O documento, elaborado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, conta com 66 ações para prevenir e punir esse crime. Nele, há ações previstas de reinserção dos trabalhadores resgatados e repressão econômica aos exploradores, pontos que deixaram a desejar na execução do plano anterior, segundo os representantes da OIT e da CPT.Entre as ações de repressão econômica, estão a proibição de acesso a créditos aos relacionados no cadastro de empregadores que usam mão de obra escrava, tanto de instituições financeiras públicas (como já vem acontecendo), mas também de privadas, e a proibição de participar de licitações públicas.A impunidade é apontada pela OIT como um dos principais obstáculos na luta contra as formas modernas de escravidão. O relatório da organização cita o artigo 149 do Código Penal brasileiro, que prevê penas de prisão de 2 a 8 anos de prisão, mas argumenta que os responsáveis pelos crimes raramente são detidos.
Ricardo Brandt