MPF questiona acordo entre Eletrobrás e empreiteiras

Convênio assinado sem licitação prevê que Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht financiarão os estudos para Belo Monte, o que pode lhes beneficiar na disputa pela construção da usina

No site do MPF

O Ministério Público Federal qualifica de absolutamente irregular e danoso aos interesses do Brasil o acordo de cooperação técnica assinado em 2005 entre a Eletrobrás e as empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht para realização dos estudos da hidrelétrica de Belo Monte.

Uma representação foi enviada hoje ao Tribunal de Contas da União pedindo a anulação do acordo que, para o MPF, é na verdade um contrato disfarçado. Em outra ação, mantida sob sigilo até agora, procuradores da República no Pará já haviam pedido à Justiça Federal a condenação dos responsáveis por improbidade administrativa.xO TCU, se concordar com os argumentos, pode anular os efeitos do acordo, que custou aos cofres da União R$ 36 mil. E a vara federal de Altamira, onde tramita a ação de improbidade, pode condenar os envolvidos à perda dos direitos políticos, ressarcimento e multas. O MPF aponta três vícios graves no acordo da Eletrobrás com as empreiteiras: dispensa indevida de licitação, injustificável restrição à publicidade de instrumento público e criação ilícita de vantagem competitiva em favor dos entes privados.

Dispensa de licitação - A Eletrobrás assinou o acordo alegando, para dispensar a licitação, “exigüidade do prazo para a ultimação do Eia e do Rima, de forma a atender ao Plano de Expansão do Setor Elétrico Nacional” e por possuírem, as construtoras beneficiadas “reconhecida e comprovada competência na mobilização, viabilização, condução e implantação de empreendimentos desse porte”.

Para o MPF, a justificativa é um despropósito, principalmente porque as três empresas são do ramo de construção civil, não de estudos ambientais. “Diante dessas constatações, qual a razão inconfessável para a adesão das empresas?”, perguntam os procuradores Felício Pontes Jr e Marco Antonio Almeida na representação enviada ao TCU. Para eles, a razão verdadeira é garantir o financiamento para os Estudos de Impacto pelas empreiteiras e em troca, num escambo absolutamente ilegal, garantir-lhes acesso privilegiado às informações do licenciamento.

Sigilo - A suspeita de que o acordo disfarça uma troca de favores é comprovada por uma de suas cláusulas: “as partes desde já concordam em tomar todas as precauções possíveis para manter sigilo sobre todas as informações, doravante designadas informações confidenciais, recebidas ou obtidas como resultado da cooperação entre elas na execução das atividades, comprometendo-se a não divulgá-las”, diz o ponto 6 do acordo. A cláusula de confidencialidade não é admitida em nenhum regulamento da administração pública. O próprio TCU, em decisão de 2006, já estabeleceu que o sigilo só é admitido em casos de segurança nacional, investigações policiais e ou interesse superior da administração.

“Negar a devida publicidade aos instrumentos celebrados contribui para a redução do controle social sobre o processo de licenciamento e de possíveis licitação e construção da Usina de Belo Monte, cuja implementação já vem sendo permeada por diversos questionamentos judiciais, decorrentes da falta de transparência e do açodamento nas ações da administração”, diz a representação do MPF.

Vantagem – Para o MPF, além de ferir a lei de licitações e as decisões do TCU sobre sigilo de procedimentos públicos, a lei também fere as disposições da lei 8.884/94, que regulamenta a ordem econômica. “Sob o véu de se estimular o setor energético brasileiro, a acordo criou condição para as empresas privadas obterem informações privilegiadas em face de potenciais concorrentes na eventual licitação de Belo Monte”, resume a representação.

As empresas, por meio do convênio, ficam em posição de vantagem em relação às demais. Se decidirem participar de licitação para construir a hidrelétrica, o farão com mais informações que as concorrentes. Se decidirem não participar “é evidente que essa opção terá se operado por possuírem um maior acervo informacional, obtido de forma inadequada, o que poderá ser prejudicial ao Estado, considerada a confessada intenção de licitar o pretenso potencial energético do rio Xingu”, lembra o MPF.

Para os procuradores que atuam no caso, justamente pela seriedade do empreendimento, deveria ter sido empregado maior rigor e transparência nos procedimentos preliminares.