Aos que ainda sonham
Por um PT autônomo e participativo1. Após 28 anos de militância política, 27 deles no PT, pela primeira vez me candidato a presidência de uma de suas instâncias. Três são as motivações: Primeiro, a apresentação de uma perspectiva que inicie um movimento onde o militante volte a ser protagonista; segundo, a absoluta falta de alternativas cuja trajetória passada aponte para o futuro compromissos com um PT democrático, autônomo e que faça as pessoas comuns voltarem a sonhar com a transformação social, econômica e cultural da sociedade com base em valores como a equidade, a solidariedade e a justiça. E, terceiro, a promoção do debate da tese da Mensagem ao Partido, que subscrevo.
2. Quando enfrentamos a Ditadura Militar, enfrentamos ao mesmo tempo uma euforia econômica que entrou para a história como o Milagre Brasileiro. Nossa luta era mostrar para as pessoas que a liberdade era tão, ou mais, importante quanto a satisfação das necessidades básicas para a sobrevivência. Assim nossa geração fez sucesso a música que dizia “a gente não quer só comida, a gente quer amor, diversão e arte”(Titãs)
3. Conseguimos fazer a sociedade voltar a sonhar com valores fundamentais ao ser humano como a liberdade e a justiça. Na política isso se expressou no sonho de reconquistar a democracia e fizemos milhões de brasileiros sair de casa para manifestar seu desejo pela volta das eleições diretas em uma das mais lindas jornadas que vivi.
4. No mesmo período, fizemos os estudantes voltar a sonhar com a dignidade de ser cidadão e fazer valer suas reivindicações no memorável movimento pela meia-passagem quando paramos Belém por uma semana com a estratégia do “pulo à roleta” até que conquistamos o que hoje é um direito inquestionável.
5. Nos dois momentos, como em vários outros naquele período, não só não tínhamos estrutura para levar os manifestantes em ônibus e vans – cada um ia por si, acreditem –, como muitos já sabiam que teriam que enfrentar a o batalhão de choque da PM, o que exigia um grau de convencimento e consciência muito elevado. Assim era a militância dos movimentos sociais e do Partido dos Trabalhadores, altiva, firme, autônoma, exatamente porque sonhava.
6. Ora, não há mudança estrutural sem que as pessoas sonhem que é possível reinventar as relações humanas. Naquela época enfrentávamos a perseguição política que não permitia que nossas lideranças e militantes, muitas vezes, tivessem sequer emprego digno, e ainda tinha a política e o SNI(Serviço Nacional de Informação) para coibir a liberdade de agir e pensar politicamente. Portanto, se não sonhássemos, se fôssemos pragmáticos, todos estaríamos nos partidos de direita reduzindo nossa existência a mera sobrevivência.
7. Não por acaso, em 89, quando pela primeira vez apresentamos Lula como candidato à presidência da República cantamos “Sem medo de ser feliz”... e era isso mesmo, fazíamos política sobretudo por prazer, pela libertação, mas sobretudo como ato de liberdade. Em 2002, quando elegemos Lula, bradamos “A esperança venceu o medo”. E isso não faz sentido para quem não sonha.
8. Hoje, as pesquisas da ciência política e de opinião indicam o profundo desencanto da sociedade com os partidos políticos, sem exceção. Um fato que ressalta isso é o surgimento de outras organizações que entraram no cenário político institucional, onde antes apenas os partidos tinham espaço. Hoje, vemos as bancadas de parlamentares por igrejas e categorias profissionais que sentam na mesa de negociação política não como partido, aliás muitos partidos apenas servem de satisfação à legalidade. Mas nós ainda podemos fazer diferente.
9. Diferente dos demais, o PT ainda é visto como um partido que discute a verdadeira política e que representa um ideal. Ainda é o que mais apaixona as pessoas na sociedade em geral. No entanto, há uma grave contradição. No seio de seus militantes, a partir da maioria de seus dirigentes, ou seja, a partir de cima, a prática política majoritária vem forjando um pragmatismo desmedido em que mergulha as relações políticas, em boa parte das tendências, em um mar de fisiologismo onde o exercício de liderança vai sendo substituído pelo de chefia e o de livre militância pelo de “funcionário político”.
10. Esta prática confunde a determinação de alcançarmos resultados com a perda da consciência do militante de seu papel estratégico, reduzindo a estratégia em mera obrigação funcional. O que vem comprometendo exatamente os resultados que deveríamos alcançar.
11. Por exemplo, na Carta de Princípios do PT, ratificada no III Congresso, que me fez aderir ao partido com afinco e entusiasmo, como fez a tantos outros miltantes, todos podem ler:• “O Partido dos Trabalhadores entende que a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores, que sabem que a democracia é participação organizada e consciente e que, como classe explorada, jamais deverão esperar da atuação das elites privilegiadas a solução de seus problemas.”• “Afirma, outrossim, que buscará apoderar-se do poder político e implantar o governo dos trabalhadores, baseado nos órgãos de representação criados pelas próprias massas trabalhadoras com vista a uma primordial democracia direta. Ao anunciar que seu objetivo é organizar politicamente os trabalhadores urbanos e os trabalhadores rurais, o PT se declara aberto à participação de todas as camadas assalariadas do país.”• “O PT afirma seu compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia nem democracia sem socialismo. Um partido que almeja uma sociedade socialista e democrática tem de ser, ele próprio, democrático nas relações que se estabelecem em seu interior.”
12. A partir destas citações, convido a refletir:• Se nossa emancipação é obra de nossa autonomia, consciência e iniciativa, não deveríamos retomar o partido como protagonista político autônomo frente às elites sócio-econômcas onde quer que estejam, mesmo quando aliadas nos governos em que somos maioria? Ora, governo não e uma instituição monolítica, é um espaço de coalizão em permanente disputa. Assim, para ajudar os petistas que estão no governo para realizar nosso programa, não seria melhor um partido ativo que mobilize a sociedade em torno das bandeiras partidárias, que exprimem a vontade dos seus militantes?• Se a principal razão de conquistarmos o poder político é a construção da democracia direta, por que não fazemos do PT um acelerador da cultura do Controle Social(da Sociedade sobre o Estado), retomando sua natural vocação de expressão política organizada dos movimentos sociais populares?• Se a construção do socialismo pressupõe a da democracia, de dentro para fora do próprio partido, porque não retomamos a organização dos núcleos de base? Se propomos o Orçamento Participativo para a Sociedade, por que não instituímos o OP do PT? Por que não estimularmos entre nossos filiados a prática da Economia Solidária, do Cooperativismo, da Reciclagem, da Preservação, do Controle Social, da Educação Política continuada, do Respeito à diversidade da condição humana entre outras práticas pró-socialistas que se pode adotar desde já e independentemente do Estado?• Se este processo todo exige uma militância consciente, por que a formação política foi abandonada por tanto tempo, só retornando agora com a bem-vinda Escola Nacional de Formação? Hoje somos mais de 14 mil militantes só em Belém do Pará, a metade filiados em massa, no último prazo de filiação. Será que sabem, com substância, que o PT é um partido socialista? Aliás, será que os filiados antes destes sabem o que significa ser socialista? Se há tantos socialistas militantes, não seria o caso de sermos mais ousados em nossas ações culturais e políticas? Por que não conseguimos fazer uma oposição sistemática e de envergadura a um governo lamentável como o do Sr. Duciomar Costa, prefeito reeleito de Belém?
13. Estas indagações pairam em algumas cabeças mas que, no entanto, não se permitem questionar com medo de serem confundidas como “de oposição”, como rebarbados. Sentem medo de serem excluídos, exonerados...Mas não tínhamos vencido o medo?
14. Companheiros, após 27 anos de militância petista, tenho certa clareza sobre como funciona o partido, como as tendências operam e que esta é uma cultura geral que enquadra a todos nós. Portanto, esta candidatura é um ato de fé de quem acredita que o ser humano é capaz de inverter lógicas perversas, que é capaz de sonhar nas condições mais adversas da vida, e exemplos não faltam: Mandela sonhou, por isso conseguiu passar 32 anos no cárcere sem perder a dignidade e se tornar uma das figuras mais importantes do planeta. Pedro Tierra, nosso poeta petista, sobreviveu à tortura da Ditadura Militar no Brasil porque sonhou em poesias que passava para fora da prisão enroladinhas dentro de canetas bic e hoje continua firme, sonhando.
15. Também sonharam com firmeza, o por isso obtiveram resultados práticos que mudaram o mundo, Jesus, Giordano Bruno, Ganhdi, Gramsci, Marx, Lenin, Bretch, Rosa de Luxemburgo, Frida Kalo, Picasso, Chê, Lula e todos e todas que os acompanharam, sem o que jamais seriam o que foram. Venha e traga mais gente pra sonhar com a gente.
João Claudio Tupinambá Arroyo
Candidato a presidente do Diretório Municipal de Belém do Partido dos Trabalhadores
Setembro de 2009