Em ato falho, ele admite caráter eleitoral de visita ao lado da ministra e candidata Dilma a obras da transposição
Ao levar ao Nordeste e sertão de Minas, principais redutos do "lulismo", a ministra da Casa Civil e pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acabou admitindo, num ato falho, caráter eleitoral na visita às obras de transposição do Rio São Francisco. Num palanque montado na cidade de Buritizeiro (MG), repleto de políticos, Lula disse em discurso que sua ideia inicial não era participar de "comício" - uma atividade de campanha -, mas apenas cumprir um programa de inspeções. "No nosso projeto original de fazer essa viagem não estava previsto a gente fazer comício. Estava previsto fazer visitas às obras", disse Lula. Na prática, contudo, o empreendimento não tem recebido prioridade na destinação de recursos - apenas 3,68% do R$ 1,68 bilhão reservado em 2009 foram efetivamente pagos (veja reportagem nesta página).Ao mesmo tempo, o périplo presidencial foi marcado pela disputa entre governo e oposição. A agenda oficial em Minas excluiu da programação a visita a Pirapora, cidade administrada pelo oposicionista DEM, e manteve apenas o palanque em Buritizeiro, governada pelo PT. As duas cidades ficam em margens opostas do São Francisco.Depois que Pirapora foi tirada do roteiro, o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), desistiu de participar da cerimônia em Buritizeiro. A ausência de Aécio acabou dividindo a claque de políticos da região. Enquanto lideranças ligadas ao governo seguiram a comitiva presidencial do Aeroporto de Pirapora até Buritizeiro, os políticos alinhados ao tucano Aécio ficaram à espera de seu desembarque.No palanque mineiro, o governador que esteve ao lado de Lula e Dilma foi o da Bahia, Jacques Wagner (PT), que disputará a reeleição. Havia ainda o ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato do PSB à Presidência, e os ministros da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima - que pretende disputar o governo baiano pelo PMDB -, das Cidades, Márcio Fortes, e da Comunicação Social, Franklin Martins.Quebrando o protocolo definido pelo Planalto, depois do discurso em Buritizeiro, Lula resolveu visitar uma estação de tratamento de esgoto em Pirapora. Assessores da Presidência chegaram a ligar para o prefeito da cidade, mas ele avisou que estava no aeroporto à espera de Aécio. Disse ainda que a estação estava fechada e não fora preparada para receber o presidente.Lula, no entanto, fez questão de ir ao local. Acabou encontrando dois pescadores, que foram surpreendidos pela visita. O presidente conversou com eles e ainda passou alguns minutos fingindo que pescava às margens do São Francisco, ao lado de Dilma.TIMIDEZNa sequência do roteiro, em Barra (BA), a ministra mostrou, diante de cerca de 1,5 mil pessoas, certa timidez para uma candidata. Chamada por pessoas que se aglomeravam para ver Lula e comitiva, Dilma se aproximou. Tirou fotos, abraçou algumas delas, mas logo se afastou. Entre as pessoas que foram ver Lula e seus ministros havia quatro faixas de apoio à candidatura de Geddel e três pró-Wagner. Nenhuma que lembrasse Dilma. O fato de ser a candidata de Lula, porém, deverá ajudá-la. "Eu voto em quem o presidente pedir", proclamava Rita de Cássia Vieira dos Santos, de 39 anos, mãe de sete filhos, dependente dos R$ 80 que recebe do Bolsa-Família. "Posso morrer agora que vi o presidente Lula." Antônia Rocha da Silva, de 60 anos, também dizia que só faz o que Lula mandar. Julgando que o agradaria, vestiu uma camiseta do PT. "Antes não votava no PT, só no Lula. Agora, voto em qualquer candidato do partido. Minha candidata é a Dilma."Em Barra, Lula prometeu ficar vigilante, mesmo depois de deixar a Presidência, para impedir que seus sucessores paralisem as obras de transposição. Repetiu promessa semelhante feita em 1989 pelo então presidente José Sarney, ao inaugurar trecho da Ferrovia Norte-Sul. Só agora, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a obra foi retomada.AVIÃONo esforço de promover a viagem de Lula e Dilma, o Planalto pôs um avião da FAB para levar 24 jornalistas aos canteiros das obras do São Francisco. A visita aos sertões de Minas, Bahia e Pernambuco é considerada "estratégica". Além de propagar a candidatura de Dilma, visa a divulgar uma obra vista pelo próprio Lula como principal marca de seu governo no Nordeste. O grupo transportado pela FAB inclui jornalistas do Le Monde, Der Spiegel, BBC, Rede Globo, Terra Magazine e Revista Piauí, entre outros. A reportagem do Estado viaja por conta própria. Os marqueteiros do governo recorreram à figura do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960) para dar um charme à caravana. Lula e Dilma pernoitariam ontem num canteiro das empreiteiras em Sertânia (PE). Assessores do governo passaram os últimos dias divulgando o fato de que o presidente repetiria um gesto de JK, que no fim dos anos 1950 dormia nos acampamentos da construção de Brasília.
Ivana Moreira, ENVIADA ESPECIAL, PIRAPORA
ESTADÃO