Flávio Sidrim Nassar *
Para toda uma geração de brasileiros o dia 31 de março é sinônimo de golpe, de mau agouro, é pior do que uma sexta feira 13 em mês de agosto.
Para outros nem tanto.
Depois voltarei ao assunto.
São muitas as versões, mas o fato é que o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Superior, solicitou à Universidade Federal do Pará "realização de complementação de dados ... em relação ao processo de escolha da lista tríplice para Reitor em observância a legislação pertinente". No ofício, o MEC recomenda à UFPA que revogue a Resolução que homologou o resultado do processo eleitoral para a escolha dos novos dirigentes "em razão de ilegalidade", pois a consulta em questão não respeitou a votação uninominal e o peso de 70% para a manifestação dos docentes em relação às demais categorias.
Da maneira como o reitor "fabricou" o processo e o encaminhou ao Mec era óbvio que a resposta só podia ser essa. Ou alguém imagina que o Coordenador Geral de Legislação e Normas e a Secretária de Ensino Superior do MEC pudesse, em pronunciamento oficial, aceitar uma documentação que comprovasse um procedimento à margem da Lei?
Pergunta-se: por que o documento foi encaminhado de maneira errada?
Será que o reitor não sabe como deveria ser encaminhado o documento?
Será que esta foi a primeira vez - na UFPA - que uma consulta desta natureza foi realizada?
Diversamente do que acontece nos sistemas acadêmicos mundo afora, a comunidade universitária no Brasil por insubordinação, por inconformismo, ou por não ter entendido o que é de fato uma Universidade, não chegou a um consenso sobre a modo de escolher seus reitores. Houve modificações na legislação, mas elas não conseguiram atender às demandas deste contencioso que já tem mais de 20 anos. O que tem prevalecido é o procedimento acordado internamente nos Conselhos Superiores de cada universidade.
O MEC, desde os tempos da ditadura, sabe que no interior das universidades os processos de escolha dos dirigentes acontecem à margem da lei e o mesmo MEC permite que esses processos continuem. O Ministério exige apenas que o processo formal seja encaminhado de acordo com o previsto na Lei. O MEC não quer saber se o voto foi paritário, universal, proporcional; se a lei dos 70% foi respeitada; se no conselho houve eleição uninominal em escrutínio único; ou se apenas a ata foi aprovada.
É uma atitude sábia a do MEC que se rende ao princípio da autonomia universitária.
Ainda temos que esperar uma legislação que respeite a tradição de participação da comunidade, que previna o abuso do poder econômico no processo eleitoral, principalmente agora que se permite a reeleição. Esperamos também, que essa nova legislação iniba os demagogos e os populistas.
A UFPA está entre as primeiras universidades brasileiras a adotar a prática de consulta à comunidade, foi em 1984, no governo do General Figueiredo. Tempo em que ainda funcionavam o SNI e a Lei de Segurança Nacional; quando o pré-requisito para ser Ministro da Educação era ter frequentado a Academia de Agulhas Negras. A primeira consulta foi feita na sucessão do reitor Daniel Coelho de Souza. Depois da consulta, com base no voto paritário, o Consun se reuniu para formalizar a elaboração da lista sêxtupla. Na abertura da sessão Daniel apresentou um esboço de ata redigida de acordo com o previsto na Lei e pediu que os que estivessem de acordo assinassem o documento. Todos assinaram e o processo foi enviado a Brasília. A lista foi acatada e o processo seguiu a tramitação normal.
A fórmula criada por Daniel Coelho de Souza que somava desobediência civil, criatividade e pragmatismo, foi repetida por todo o Brasil e tem sido usada na maioria das eleições dos reitores da UFPA.
Mudar esta tradição significa abdicar de importantes conquistas no frágil terreno da autonomia universitária e permitir que " o legalismo e a burocracia, como valores dominantes" tornem-se "os pilares de legitimação política no Brasil do século XXI, em detrimento da vontade geral." (Alex Fiuza de Mello, in Beira do Rio, fevereiro 2009)
Novamente um reitor da UFPA quer inovar, agora não mais na arquitetura de formas que façam valer a autonomia universitária como fez o democrata Daniel Coelho. O atual reitor continua engendrando um golpe. As manifestações do CONSUN de respeito à tradição autonomista são "delatadas" ao MEC na expectativa de uma intervenção.
Mesmo sabendo perfeitamente como deve ser elaborada a ata e como os documentos devem ser encaminhados ao MEC, ele contaminou o processo a ser enviado ao MEC. No jargão dos criminalistas: o processo foi "bichado". Isto é, coloca-se propositadamente falhas no procedimento e abre-se uma avenida para trafegarem os argumentos contrários.
Com a "resposta"do MEC reacenderam-se as esperanças golpistas no Guamá. O conselheiro Afonso Medeiros teve a desfaçatez de encaminhar um inacreditável apelo ao golpe, onde deixa claro sua intenção : "O MEC enviou à UFPA a Nota Técnica nº 97/2009-CGLNES/SESu/MEC e cujo teor OBRIGA EXPRESSAMENTE (grifei) o Conselho Universitário..." Na realidade o teor do documento do MEC, um voto padrão enviado a todas as universidades em situação semelhante, tanto que inadivertidamente aparece como interessada a Universidade de Mato Grosso do Sul, tem em sua ementa o seguinte: "SOLICITA(grifei) realização de complementação de dados pela UFPA em relação ao processo de escolha da lista tríplice para Reitor em observância a legislação vigente". E mais adiante: Considerando o decidido em Nota Técnica, visando o regular trâmite do processo de nomeação do Reitor, RECOMENDA-SE (grifei).
"Solicita" e "Recomenda" e muito diferente de "obriga expressamente". Como se vê "a própria hermenêutica do que seja “juridicamente correto” é dúbia e, regra geral, conservadora"" (ibidem).
Esta é só uma amostra do golpe em sua terceira reencarnação.
Voltando ao 31 de março. Dizem que generais são supersticiosos e que quando vão à guerra, além da matemática militar, número de divisões, armamentos, etc. se valem de outras numerologias. Foi depois de complexa metafísica, ouvidos astros, os búzios, cartas, que teria sido definido o dia primeiro de abril como a data mais propicia para a eclosão do golpe de 1964.
- Nao pode! Exclamou um dos conspiradores: - É o dia da mentira. E assim, acabaram por o antecipar para a noite do dia 31 de março.
Na perspectiva dos golpistas, o movimento foi um sucesso, durou 20 anos.
Os golpistas do Guamá também escolheram o 31 de março para, mais uma vez, atentarem contra a vontade da comunidade universitária. Talvez acreditem que como o 31 de março de 64, o de 2009 seja propício para estas falcatruas e que possam governar a UFPA por 20 anos.
Mas se até para nós mortais, tudo está sempre mudando e nunca tomamos banho duas vezes no mesmo rio, imagina como serão complexas as conjugações que dominam o vário destino dos dias.
Se em 1964, o 31 de março foi propício para o golpe, acho o 31 de março de 2009 será propício para a democracia e o CONSUN honrará sua tradição autonomista e recusará mais esta manobra.
Golpistas descansem em paz.
* Flávio Nassar é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA e coordenador do Fórum Landi