Alberto Teixeira da Silva
Doutor em Ciências Sociais e professor de Ciência Política
Ondas de sucessivas crises estão desencadeando instabilidades, conflitos e choques: étnicos, geopolíticos, ecológicos e civilizacionais. Não são crises separadas. São manifestações sistêmicas e multidimensionais de uma crise planetária complexa que expõe contradições e assimetrias entre modos de vida, valores e modelos de desenvolvimento. A intensificação das turbulências contemporâneas desnuda processos dinâmicos e estruturais da (ir)racionalidade capitalista em escala global: busca desenfreada pelo lucro, especulação financeira, reprodução de desigualdades locais, nacionais e continentais, ampliação de nichos de pobreza e degradação ambiental sem precedentes. No coração da acumulação capitalista, as crises produzem externalidades (impactos e destruição ambiental, miséria) e constrangimentos (subdesenvolvimento, guerras) que geram padrões insustentáveis de convivência.A tríade financeira, climática e energética retrata o quadro caótico e agudo da globalização de risco, líquida e excludente. A crise financeira deflagrada pelo mercado imobiliário dos EUA que atingiu o âmago dos circuitos internacionais (produção e circulação de bens e serviços) reflete o fracasso dos fundamentos da economia neoliberal, impondo inevitável criação de regras e regulamentações relativas aos mercados como sugere o G-20. As mudanças climáticas forjam um impasse societário de caráter multicivilizacional, que ignora fronteiras, territorialidades, culturas e raças. A resolução da crise energética passa pelo redirecionamento e modernização das forças produtivas na transição para o aproveitamento eficiente e limpo de fontes renováveis (biocombustíveis, energia solar, eólica, marítima). As crises sinalizam mudanças e visões paradigmáticas, apontando projetos societários, movimentos e identidades sociais para além do pensamento único, imposto pelas grandes corporações e legitimado por um grupo seleto de países, o G-8. As crises atuais estão desafiando a imaginação e criatividade das forças hegemônicas no âmbito transnacional. A governança do sistema global não pode ser conduzida por um condomínio elitista de governos sob a égide da racionalidade econômica mercantil. Neste sentido, a reforma da Organização das Nações Unidas é decisiva e urgente.O Governo Barack Obama tem a chance de representar uma guinada nas relações globais. A vitória do democrata significou o repúdio da filosofia conservadora do Governo Bush, abrindo um leque de expectativas e possibilidades de projetar e reinventar novas configurações de poder e diálogo entre povos e nações. Para além da questão racial – o fato histórico de ser o primeiro negro a chegar a Casa Branca - Obama ascende ao poder sob o signo da paz e utopia de um mundo melhor, num momento de incertezas e desesperanças, mas com forte apelo político na promoção de relações internacionais menos belicosas e mais seguras. Obama vai se defrontar com cenários convulsivos e críticos (Afeganistão, Iraque, África, Oriente Médio, Gaza), recrudescimento da tensão nuclear (Irã, Coréia do Norte), além da inevitável responsabilidade de liderar o compromisso pós-Kyoto (os EUA são responsáveis por 30% das emissões globais de gases de Efeito Estufa). Países que mais se beneficiaram com o padrão produtivista e destruíram suas florestas deveriam assumir custos financeiros bem maiores e reduzir suas emissões de forma mais agressiva.São questões imperativas que transcendem as lógicas territoriais dos Estados, requerendo ações coordenadas entre blocos de países, cooperação intergovernamental e participação da sociedade civil mundial. A verdade é que a ideologia desenvolvimentista ainda é hegemônica e os países parecem não querer abdicar de padrões de bem-estar ditados pelos valores da pós-modernidade capitalista, ainda que todos saibam o tamanho do débito com a vida na biosfera. No tabuleiro das negociações estão em jogo sociedades portadoras de futuros, avanços científicos, saberes milenares, enfim, a sustentabilidade da aventura dos humanos no Planeta Terra.