Meridiano 47Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais - ISSN 1518-1219
A Pan-Amazônia vai se transformar na arena dominante dos debates promovidos pelo Forum Social Mundial (FSM) que ocorrerá na cidade de Belém no período de 27 de janeiro à 1 de fevereiro de 2009. Será um momento de reflexões, diálogos e proposições para compreender e atualizar as agendas temáticas no contexto dessa imensa porção geográfica estratégica para o desenvolvimento local, nacional, continental e global. Com efeito, no cenário da sociedade pós-industrial, mudanças substantivas conformam novas percepções e paradigmas num mundo em franca ebulição de idéias, dilemas e projetos civilizatórios. Diante das complexas dimensões da globalização - econômica, política, social, tecnológica, cultural e ambiental - desafios inadiáveis e ameaças sistêmicas como a pobreza, desigualdade, estagnação econômica, corrupção, violência e catástrofes climáticas; cresce a importância de trocas de experiências, pesquisas e saberes sobre processos contemporâneos na formatação de padrões de estabilidade, desenvolvimento e paz, como condição do progresso e bem estar das sociedades humanas.
O paradigma da política internacional fundado no domínio exclusivo dos Estados está sendo tencionado por novas configurações de políticas de governança baseadas numa multiplicidade de agendas e atores. No contexto da globalização multidimensional e emergência de arenas multifacetadas como meio ambiente, migrações, direitos humanos, criminalidade; potencializada pela velocidade das inovações tecnológicas, formação de redes (networks), surgem novos desafios cognitivos e busca de referenciais que reorientem perspectivas interpretativas na apreensão dos fenômenos contemporâneos. O cenário atual das relações internacionais molda-se nos arranjos sistêmicos da política para além da clássica abordagem interestatal.
Agora se inicia uma era pós-política internacional, na qual os atores estatais são obrigados a partilhar o cenário e o poder global com organizações internacionais, companhias transnacionais, além de movimentos políticos e sociais de escopo transnacional/global. Isso não quer dizer que o Estado deixou de ser o ator mais importante e influente, mas agora não são os únicos no palco das decisões mundiais. A segurança ambiental adquire importância, pois implica na segurança vital da biosfera, na perspectiva de regulação sustentável dos recursos naturais, cooperação entre Estados e mobilização de populações em torno dos objetivos de proteção. Vai perdendo sentido a diferenciação entre high politics (agenda estratégico-militar) e low politics (agenda econômica, social e ecológica), considerando que a interdependência crescente no contexto da sociedade global vai minando as fronteiras nas agendas de governo, fazendo com que os objetivos de uma ampla segurança humana se entrelacem.
A agenda da segurança mundial com o término da guerra fria e derrocada do socialismo histórico tem se alargado de forma significativa para incorporar novos temas e distintas problemáticas. O fim da bipolaridade e as transformações no leste europeu resultaram numa ordem multipolar de interdependências globais e agendas multifacetadas que tencionam o conceito de segurança para além do enfoque tradicional de estudos estratégico-militares. A noção de defesa nacional centrada na visão estadocêntrica no marco da soberania territorial mostra-se insuficiente para garantir situações de estabilidade e desenvolvimento. A globalização está erodindo a soberania dos Estados, expondo vulnerabilidades num contexto da nova arquitetura da (in)insegurança mundial. As formas clássicas de resolução dos conflitos pela via armamentista e intimidação bélica já não respondem aos desafios e impasses contemporâneos.
A segurança militar continua relevante e decisiva, mas não é a única a ser garantida. Emergem ameaças e desafios que afetam a segurança internacional, mostrando que novas configurações planetárias - interdependência econômica, velocidade tecnológica e informacional e desequilíbrios ecológicos, irão conduzir políticas de segurança para outras esferas não exclusivamente militares. Riscos e efeitos devastadores derivados do aquecimento global, perda de diversidade biológica, desertificação, violência, marginalidade, exclusão social, lixo urbano, degradação dos recursos hídricos, enfim, um conjunto de situações caóticas expõe uma crise mundial sistêmica e projeta desequilíbrios perturbadores que já ameaçam a paz no contexto das relações internacionais. Conflitos ambientais transfronteiriços decorrentes do processo combinado de crise de escassez e crescente mercantilização da natureza estão hoje no centro das políticas de governança mundial, conformando incertezas no curso da nova geopolítica global tensa e turbulenta.
A Amazônia está no epicentro das grandes preocupações regionais, nacionais e transnacionais. Não por acaso, suscita questionamentos e disputas calorosas, reacendendo debates controversos sobre soberania, defesa, territórios, presença incontrolada de múltiplos atores e desafios crescentes de compatibilizar proteção dos recursos naturais, crescimento econômico, justiça social e gestão democrática, enfim, a quadradura do círculo do desenvolvimento sustentável. A ampla variedade de temas suscitados pelo problema da segurança numa região de fronteira do capitalismo global, marcada por profundas assimetrias e conflitos, projeta análises e configurações significativas sobre o subcontinente amazônico no cenário das transformações e políticas de integração forjadas pelos blocos e arranjos de governanças na América do Sul.
Na agenda da segurança global multidimensional (atores e processos), a Amazônia internacional (Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Suriname, Guiana, Venezuela e o território da Guiana Francesa) tem papel de destaque pela importância crucial dos recursos naturais que abriga, conformando territórios de sociobiodiversidade, serviços ambientais e climáticos absolutamente decisivos no limiar do século XXI. As análises sobre segurança da Pan-Amazônia devem estabelecer inter-relações entre as dimensões militar, social, energética, alimentar, hídrica, climática, florestal, etc. Não é possível defender a região num ambiente hostil, adverso, sem infraestrutura, carente de saúde pública e políticas de inclusão social. Não se pode deixar de almejar um modelo de desenvolvimento centrado nos direitos básicos de cidadania e sustentabilidade dos recursos e bens coletivos.
No entanto, a fragilidade institucional dos países amazônicos e baixa integração de ações no âmbito da cooperação bilateral e multilateral enfraquecem as iniciativas de governança regional de sustentar uma política sul-americana de desenvolvimento endógeno. A perspectiva dos problemas e soluções que afetam as populações panamazônicas é de natureza sistêmica e dialética, realidades entrelaçadas pela história das civilizações que se cruzam no tempo e no espaço, transbordando em fronteiras físicas e vivas de culturas milenares e modernas. Os múltiplos movimentos, alianças e cidadãos planetários presentes no FSM, querem ser protagonistas da construção de outra globalização.
Alberto Teixeira da Silva é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará (alberts@superig.com.br).