Sarney engaveta reforma que ele mesmo prometera para o Senado

Um dos exemplos é a folha, de R$ 2,1 bilhões, que continua intacta por pressão de parlamentares e servidores

Quase nove meses depois do senador José Sarney (PMDB-AP) assumir a presidência da Casa com a promessa de resgatar a imagem do Senado, ele não tirou nenhuma das medidas anunciadas do papel. Passada a turbulência dos últimos meses, a folha de pagamento, de R$ 2,1 bilhões, se mantém intacta. Os senadores não aceitam reduzir o número de funcionários de confiança, hoje estimados em 2,8 mil. Os 3,5 mil servidores terceirizados também pressionam Sarney para não serem demitidos. A tática tem dado certo.

A lentidão de qualquer mudança administrativa recebe a contribuição dos quadros de carreira, que resistem às alterações sugeridas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).Nos bastidores, esses servidores reclamam que a FGV apresentou um estudo sem conhecer in loco o Senado, apenas em cima de organogramas. Eles não aceitam as mudanças sugeridas, como os cortes em gratificações. Com isso, a reforma proposta pela FGV, que recebeu R$ 250 mil pelo serviço, fica empacada.A esse cenário, somam-se a legalização dos atos secretos - usados para nomear parentes e aliados, além de criar benefícios -, a manutenção de regalias dos senadores, assim como de privilégios concedidos aos quase 10 mil funcionários, somando os efetivos, comissionados e terceirizados.Passada a turbulência da crise, as promessas de Sarney são esquecidas, como a redução de despesas com o serviço de mão de obra terceirizada. Nos últimos cinco anos, esse item consumiu cerca de R$ 460 milhões dos cofres do Senado. A Casa já prorrogou contratos com as empresas Servegel, do setor de arquivo, e Adservis, da área técnica de áudio do plenário e TV Senado, que empregam parentes e indicados de funcionários de carreira. Já foram identificados pelo menos 280 terceirizados que são parentes de servidores. Por enquanto, o Senado não adotou nenhuma medida. Na última segunda-feira, o Diário Oficial da União publicou a decisão de Sarney de revogar uma licitação que economizaria R$ 7 milhões na contratação de mão de obra para limpeza. A concorrência foi feita depois que uma sindicância apontou excesso de funcionários e valores salariais elevados. A Fiança, empresa do contrato anterior, venceu a nova concorrência.O Estado teve acesso ao despacho de Sarney. Para anular a licitação, ele alega que a redução de gastos não pode atingir os terceirizados. "É irrefutável que tal redução não possa se dar em detrimento dos menos favorecidos, dos mais humildes", diz o senador, que considera "mínima" a redução estimada pelo novo contrato. Em seu despacho, ele afirma que não poderia diminuir a remuneração dessas pessoas, em razão da inconstitucionalidade de uma possível redução salarial. Mas um parecer da comissão de licitação explica que o Senado contrata a empresa, em vez dos funcionários."O Senado não tem vínculo patronal com qualquer trabalhador terceirizado", define o parecer do dia 3 de agosto, ignorado por Sarney.O argumento é endossado por Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU): "Não existe irredutibilidade em terceirização, mas no serviço público." O procurador, que tem investigado a administração do Senado, lamenta a demora em realizar a reforma interna. "Vejo isso com grande preocupação. Mas nós não vamos parar. Vamos abrir quantos processos forem necessários", diz Marsico.A paralisia da reforma decorre, principalmente, de uma queda de braço entre a FGV e os funcionários efetivos. Eles rejeitam a sugestão de corte nas suas gratificações, as chamadas funções comissionadas, que variam de R$ 1,3 mil a R$ 2,4 mil. Para abrir mão desses bônus, querem um aumento salarial. Sarney tem prometido levar a discussão sobre as mudanças para os integrantes da Mesa Diretora.O primeiro relatório da Fundação Getúlio Vargas foi entregue em maio. Na quarta-feira, Sarney deu prazo para abrir a discussão até a semana que vem. "Vamos submeter o estudo a todos os parlamentares, os quais terão tempo para opinar sobre isso", disse o senador em plenário. "Depois de receberem essa contribuição, teremos uma sessão administrativa."Ontem, Sarney fez mais uma promessa: demitir ou cortar os salários dos funcionários que não se apresentarem para o recadastramento da Casa. Pelo menos 828 estão nessa situação. O presidente do Senado diz que muitos se omitiram por "erro no computador". Os demais, segundo ele, serão punidos.

Leandro Colon, BRASÍLIA