Presidente do Supremo vê ''comício'' antecipado de Lula no S. Francisco

Enquanto Mendes defende investigação pela Justiça Eleitoral, ministros saem em defesa da viagem presidencial

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, sugeriu ontem que a Justiça Eleitoral investigue a viagem de três dias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, às obras de transposição do Rio São Francisco, na semana passada. Para ele, houve um "comício". A reação governista não tardou - o assessor de Assuntos Internacionais de Lula, Marco Aurélio Garcia, declarou que Mendes só deveria se manifestar nos autos. Para o ministro Tarso Genro (Justiça), tudo ocorreu "dentro da lei"."O órgão competente da Justiça tem de ser chamado para evitar esse tipo de vale-tudo", criticou Mendes, em cerimônia no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio, onde assinou convênio para empregar ex-presidiários nas obras da Copa do Mundo de 2014. Para ele, há "mais-valia natural" dos candidatos vinculados aos governos, por causa da ampla exposição."É lícito transformar um evento rotineiro de governar em um comício? E aí desequiparam-se as relações de oportunidade que deve haver no processo eleitoral", disse. "A Procuradoria-Geral Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral podem fazer a comparação: como se fiscalizava obra antes, como se está a fiscalizar agora. Pela descrição que vimos na mídia, está havendo sorteios, entregas, festas, cantores. Isso é o modo de fiscalizar tecnicamente uma obra?"A viagem a Minas, Bahia e Pernambuco incluiu o deputado Ciro Gomes (PSB-CE). Lula falou várias vezes de sucessão e, em ato falho, disse que não esperava um "comício". Pregou candidatura única na base governista e criticou o governador paulista, José Serra (PSDB), provável adversário de Dilma na corrida presidencial. As visitas tiveram palanque, discursos e muitos políticos locais.Mendes lembrou que países com longa tradição democrática já firmaram o entendimento de "não utilizar a atividade governamental para fins político-eleitorais". "É um aprendizado que temos de fazer", declarou. "A discussão terá de ser levada à Justiça Eleitoral."CONTRA-ATAQUEEm entrevista à TV Brasil, Garcia admitiu que a viagem tem impacto sobre o voto. "Se isso tem efeito eleitoral? Tem efeito. Se o governo fizer bobagem qualquer, e às vezes faz, isso tem efeito eleitoral e negativo."Ele reagiu a Mendes. "O presidente do STF, em geral, deve falar nos autos, não deve falar em outras ocasiões, na minha modestíssima opinião", disse.Para o assessor, há "confusão" envolvendo eventuais candidatos, mas a dúvida se estende à oposição. "Se a gente for examinar a conduta de dois governadores, Serra , em São Paulo, e Aécio, em Minas, essa conduta poderia ser perfeitamente qualificada como conduta que produz efeitos eleitorais."Em Brasília, o ministro da Justiça também saiu em defesa de Lula. "Tudo que o presidente está fazendo em matéria de mobilidade é dentro da lei. O governo tem não só o direito, como a obrigação, de dar visibilidade aos seus atos."OPOSIÇÃO E CIRO O secretário da Casa Civil do governo Serra, Aloysio Nunes Ferreira, classificou a viagem de "campanha escancarada". Serra evitou, pelo segundo dia consecutivo, comentar o assunto. "Aberta não, é escancarada. E começou em fevereiro do ano passado", disse Aloysio. "A oposição está tomando providências sobre a antecipação da campanha com recursos públicos." Em Fortaleza, Ciro considerou "bobagem" a oposição criticar os custos da viagem. "Eles estão muito perdidos", atacou. "É uma coisa curiosa. Serra passa o tempo viajando nas obras dele em São Paulo. Leva quem ele quer. Faz reunião em Goiás. Faz reunião em Minas. Faz reunião não sei onde. Como governador de São Paulo, vem ao Ceará. Eu acho que é tudo uma bobagem."

Luciana Nunes Leal, RIO
COLABORARAM TÂNIA MONTEIRO, SILVIA AMORIM E CARMEN POMPEU, ESPECIAL PARA O ESTADO