Paixão Fosca “pero” Tosca

Não seria apropriado tomar a montagem da peça pela quimera de uma cena deentrada portando dois amantes em prelúdio seguido de êxtase. A apresentação livre de Fosca do italiano Iginio Ugo Tarchetti incômodo mesmo antes da estréia, mas a divulgação jornalística abusou ao identificar a nudez como o mote do drama representado no período daUnificação Italiana da segunda metade do século XIX, quando os amantes descobrem a duras penas o pesar de amar.

A platéia era sem dúvida composta por jovens em sua maioria, arrisco a dizer muitos afetados pelos mesmos genes do teatro, contudo, parece banal dizer que sexo vende, afinal,a sociedade contemporânea tornou vendável todas as formas de expressão erealização, isso não se confunde com o amor, objeto por excelência dapeça.

O texto jornalístico de o Diário do Pará foi sofrível ao repetir tantosclichês que não permitiu uma indagação elementar, pode o amor serarrebatado sem o sexo? Ou o desejo como pensa José Antonio Marina. Em LASARQUITECTURAS DEL DESEO: UNA INVESTIGACION SOBRE LOS PLACERES DEL ESPIRITU, o estudioso destila como o homem moderno fragmentou-se sem restituir-se noespírito.

Tarchetti assinala a inquietação de Giorgio, não são sobreas muitas opções do amor, mas apenas duas, poderia ele manifestar seu amor sem ter de ceder ao desejo? Fosca compreende bem esta sina e busca incessantemente alguma manifestação de existência plena, até mesmo o desprezo de Giorgio era mais leal do que uma sóbria simpatia.

Se tivermos atentos, compreendemos como a beleza é fonte da tensão; outros dois personagens não disparam o coração de Fosca, ele seguiria adormecido com a companhia do Doutor e de seu primo, o coronel. O drama foi apresentar acondição patológica do amor de uma mulher doente sobre um ser sadio, farto da beleza voluptuosa de Clara, este ser absorve em doses variadas de furor e piedade de Fosca a possibilidade de experimentar um novo sentimentode amor.

Obviamente estou falando do amor na sua condição mais carnal existente, sem as sublimações do conforto, proteção e bem querer,típico do amor familiar. Clara é Bela, não apenas a personagem, a atriz é um encanto, mas só, a personagem tem pouco a oferecer senão sua plástica harmonizada, enquanto Fosca se despe de sua auto-indulgência para repelir a marginalização da feiúra enquanto cativa e hostiliza a um só tempo o objeto de seu desejo, conseguindo conquistá-lo... o aprisiona para sempre em sua memória.

Este enredo mais próximo ao oitocentos contradita com o burguês, dandi de tantas conquistas sempre pronto a voltar sua atenção para presa ao lado, jamais cansando de saciar sua vontade, seja ela qual for. Tarchetti é um romântico, capaz de ver as viradas no tempo de Garibaldi quando o herói se lança à conquista despreza tudo senão o triunfo. Fosca age assim, ou alguém duvida que a astucia, malícia e a chantagem confabulam no ser humano...Nossa contemporaneidade desperta para uma economia dos desejos cuja satisfação é o consumo colérico das marcas, sem implicar no entrançamento dos seres e das coisas, parece ser algo distante, pois elas são descartáveis por si mesmas.

A falta de amor é mais extensa, mas não é a sede da vida, o personagem do coronel esta satisfeito com seu pequeno fortim, com a rotina dos exercícios de ordem unida e de uma hierarquia quase familiar; por sua vez, o personagem do doutor, magistralmente encenado pelo ator, funciona como o elemento estabilizador naquele micro-universo. Eis a lição, aqueles que se lançam ao amor estão fadados a serem devorados por ele enquanto desagregam ao redor.Foi bom os vê em território de experimentação como é o Teatro Waldemar Henrique, noutro lugar talvez não tivesse essa aderência com o público, mas alguns elementos ficaram um tanto apequenados, sem querer voltar ao problema da nudez obriga-me a dizer meu descontentamento com o figurino, afinal - que raio de vestimenta era aquela do personagem do coronel? Parecia mais um operário da floresta com tanto verde, já o médico ficou apropriado, sobretudo por sinalizar a calça de força em alusão a camisa de força, Giorgio não tinha um pobre galardão, esta insuficiência poderia ser sanada com algumas medalhas; e a pobre Carla, qual o problema dela com vestido? ela não era George Sand, mas sim uma mulher balzaquiana modelar aos 30 anos com marido, filho e amante.

O texto foi memorizado em técnica refinada, até quando os atores se engasgavam retomavam a métrica da declamação, mas perdiam em interpretação suscitando a noção de que estavam somente vestindo um personagem. Esquecendo da fusão cênica da personagem comprimindo o ator, obviamente o resultado é sempre uma coisa distinta.A campanha de mídia foi sem dúvida o ponto alto do espetáculo, apuro no site e no cartaz, reunindo grande talento para divulgar a empresa, mas as fotos deram vazão ao mau juízo do articulista de o Diário do Pará. A cesta de patrocínio e apoio também revela vários pontos cardeais, governo, sindicato, empresa e sujeito articulados na promoção deste teatro, outros deveriam tentar formulas parecidas. Se todas as cordas estão presas na direção de Guál Dídimo o felicito, caso contrário estendo os parabéns ao resumo da ópera. Seria bom estarem em cena novamente.

Fernando Arthur de Freitas Neves
Um observador no teatro