Não há dúvida, o código do processo penal e civil brasileiro foi feito mais para garantir a defesa do réu do que proteger a vítima. Este desenho institucional, sem dúvida nenhuma, é um dos responsáveis pela longa procrastinação da tramitação dos processos civis e penais. O grau de impunidade assombra a sociedade brasileira projetando a sensação de impunidade em escala estratosférica.
A corrupção é marca histórica da vida política brasileira, em todas as fases de sua história, o desejo da sociedade para mudar esta realidade foi expresso na aprovação do lei do Ficha Limpa, como uma iniciativa da sociedade civil.
Como analista tenho aconselhado a quem me consulta sobre o início da validade desta lei a ter paciência. Sempre transmitia seguinte idéia: " se a lei do Ficha Limpa começar a operar a partir de sua publicação já será um enorme avanço para a sociedade brasileira. E assim eu esperei que fosse acontecer. Jamais ví uma lei retroagir para prejudicar.
Este embate que se ora se desenrola nos tribunais brasileiros em torno do início da validade da lei do Ficha Limpa coloca em cheque a credibilidade da própria lei. Caso o Supremo Tribunal Federal venha a desautorizar as decisões consecutivas do Tribunal Superior Eleitoral ocorrerá uma grave desmoralização do TSE e da lei do ficha limpa.
Na verdade o TSE está sob pressão da opinião pública e vem construindo argumentações que visam superar o dogma jurídico de que uma lei jamais deve retroagir para prejudicar. Vejam o caso do Jáder: ele renunciou em 2001, já concorreu em 2002 e 2006 e agora é punido com retroatividade a 2001.
Quem, como eu, que tem no dogma do Estado de Direito e na inaplicabilidade de nenhuma lei com efeitos retroativos para prejudicar, não pode, em nome de responder ao desejo imediato de combater a impunidade, vir a abrir mão de um dogma jurídico de maior importância para toda a sociedade brasileira.
Produzir argumentos jurídicos conjunturais, com base em pressões da opinião pública, para ampliar a legitimidade do Tribunal Superior Eleitoral, pode conduzir a justiça brasileira a cometer um grave ato contra o dogma jurídico de que nenhuma lei retroage para prejudicar.
A sociedade brasileira, em nome da garantia estratégica e estrutural de um dogma jurídico desta natureza, pode muito bem, conviver com a lei do Ficha limpa a partir de sua publicação. Não tenhamos dúvida, caso a lei do Ficha Limpa venha a ter poder de retroatividade, estaremos criando a jursprudência do casuísmo, ou seja, se uma lei tiver enorme apelo popular, esta mesma lei pode atropelar os dogmas jurídicos e o Estado de Direito, em nome de ...fazermos justiça imediatamente.
Por isso sou contra a retroatividade prejudicial da lei do Ficha Limpa. Entendo que a lei do Ficha Limpa deveria operar a partir de sua publicação.